Barulhos de caixas caindo, objetos chutados e passos rápidos
Ergue-se a cortina.
Surge uma cena plácida. Algumas pessoas sentadas tomando chá. Rostos sem expressão. Roupas sóbrias. Conversavam em voz baixa sem, aparentemente, perceber os sons que iam aumentando no ambiente.
De um canto escuro surge, em meio a um estardalhaço, uma figura desalinhada, vibrante, mas empoeirada, como se tivesse sido feito prisioneira há muito e somente agora conseguisse se libertar.
Ninguém olha. Seguem os diálogos comedidos.
A nova figura corre por todo palco. Sobe nos móveis e os derruba. Desorganiza os cabelos das senhoras sentadas, cospe nos ternos impecáveis dos senhores discretos.
Ninguém olha. Seguem os diálogos comedidos.
Impressionada com o descaso, a nova personagem põe-se a cantar, em alto e bom tom. Dá gargalhadas, grita...
Ninguém olha. Seguem os diálogos comedidos.
Vira cambalhotas e solta urros de “Estou livre agora! Eu voltei! Nunca mais irão me acondicionar nas malditas caixas empilhadas na prateleira do sótão! Catalogadas por datas e assuntos! Enganei os guardiães e estou aqui! Encarem-me! Falem comigo!”
Ninguém olha. Seguem os diálogos comedidos.
A espantosa aparição silencia, deixa os braços caírem, corre o sorriso do rosto, vai aos poucos derretendo, frustrada pela falta de atenção e, resignando-se com sua sina de lembrança, deixa-se aprisionar lentamente desistindo, naquele momento, de tentar mudar o curso dos caminhos, que nascem sob seus pés e vão aos poucos a emaranhando e amordaçando, recolhendo-a para o túmulo do passado de onde não poderia ter fugido.
Ninguém olha. Seguem os diálogos comedidos.
Cai o pano.
12 comentários:
Quero ser a figura desalinhada, vibrante, mas empoeirada, como se tivesse sido feito prisioneira há muito e somente agora conseguisse me libertar.
Quero ser a atriz desta tua peça.
Quero dar autógrafos contigo na noite de estréia. Criadora e criatura =)
Te amo!
Cada linha do seu escrito nos leva a cena que vc. narra.Muito sugestivo. Bom final de domingo.
Existem fantasmas do passado que insistem em voltar, mas a aparente tranquilidade do presente os obrigam a se recolher no esquecimento...
Quem não tem um desses fantasmas?
bjocas
Creio que isso, aparições e barulhos, sejam fatores de conciência pesada, nada mais... Quem foi não volta, tá?
Beijos
Esse texto dá uma excelente montagem para uma peça de teatro.
Parabéns menina!!
Bj
Mandou bem, Gisa! Texto de primeira! Beijos!
Gisa,
Empolgante, no mínimo. E tanto para filosofar...!
Beijo :)
Uma realidade vivida todos os dias por todos nós...
Legal!
Beijinhos
Li
seu comentario é uma poesia... chego aqui e me deparo com esses textos. só tenho a agradecer..
abração, perfect!
Quantos diálogos comedidos nos impediram de dizer exatamente o que nos passava pela mente...
Quantos diálogos comedidos esconderam as nossas verdadeiras intenções...
Obrigado pela visita e pelas palavras Gisa!
Desantelador, o futuro que não há de vir. Beijo!
E eu me encanto com os textos daqui!
Puraa poesia!
Aprendo tantoO aqui!*-*
Ótima semana Gisa!
Bjão.
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