terça-feira, 30 de novembro de 2010

(DES)NECESSÁRIA

Trabalhava de maneira incessante.
A rotina era rígida e fazia questão de segui-la milimetricamente.
Acordava, pela manhã, varria toda casa, arrumava os quartos, limpava os banheiros, lavava roupa, passava roupa e ia para a cozinha.
Colocava em prática todas suas magias.
Entre potes e sabores produzia aromas de enternecer os mais exigentes olfatos.
A beleza também enchia os olhos de quem via tais petiscos.
O sabor levava todos aos portais do Éden.
Enquanto degustavam os prazeres que ela os oferecia, ficava sentada em um canto da cozinha com seu mínimo prato na mão.
Alimentava-se muito pouco.
Sentia enfado da comida.
Alimentados, retiravam-se e ela voltava novamente à cena principal.
Tirava a mesa, lavava a louça, limpava a cozinha.
Passava a tarde entre o jardim e a horta.
Até o horário do jantar, tempo em que repetia o ritual apresentado no almoço.
Ninguém mais a percebia como pessoa.
Não falavam com ela, não perguntavam a respeito dos seus desejos e sonhos.
Simplesmente não a viam, não sentiam sua presença.
A história repetiu-se por anos, até o dia em que, acomodada no seu lugar habitual, foi tragada, sem lutas, vagarosamente, pelas paredes que a aconchegaram pouco a pouco, aprisionando-a para sempre no cenário do qual nunca poderia ter fugido.
A rotina seguiu melancolicamente igual sem nunca ninguém ter percebido sua falta.

INEFICIÊNCIA

O limiar entre o sonho e a realidade leva-me à confusão total.
Vivi,
Sei que vivi,
Mas lembro-me apenas de imagens distorcidas e palavras vagas
Como se estivesse interagindo com outra dimensão.
Curvo-me diante da minha ineficiência de discernimento.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

SEGUNDA-FEIRA

Pensei. Ponderei. Concluí. Acabei por me render ao óbvio.
Alice acordou e só existe a sua irmã que teima em continuar a ler aquele livro enfadonho.
Desapareceram os coelhos atrasados, os gatos risonhos, os chapeleiros loucos com todo seu chá.
A Rainha de Copas contentou-se com as camélias brancas pintadas de vermelho e parece feliz.
O yellow submarine submergiu para sempre no doce rio de mashmellow e Lucy,
Ah Lucy..., perdeu-se para sempre in the sky with diamonds.
É, as bolhas foram estouradas e a máscara de ferro da realidade foi atarrachada com força.
A vida segue.
E La nave va.
Tudo ficou muito claro, muito certo.
Esse é o produto do pensamento sensato.
Tudo passou. Pés no chão novamente.
Compromissos milimetricamente medidos.
Oito ou oitenta é uma boa tática, evita a insensatez do meio-termo, da dúvida.
Ou é ou não é. Isso sim é que é conforto!
Loucos são aqueles que não creem nesse fato.
Condenados ao eterno desassossego da impetuosidade, da criação, da busca.
Coitados, sempre aflitos, com sensações reticentes.
O ideal não existe.
Sempre temos que abrir mão de alguns pontos, em troca de outros.
A ficção de Dona Flor nunca existirá, convenço-me!
Sua doçura e sua felicidade plena entre os dois extremos,
Vadinho, vadio, larápio, descompromissado, incrivelmente bom amante.
O Sonho, o espírito, o fantasma.
E o farmacêutico Teodoro Madureira, metódico, sensato, organizado, amoroso e de uma dedicação insossa, quase canina.
A Realidade, a terra, a vida social.
Isso somente habita a mente de alguns loucos e coitados, limitando-se aos contornos traçados por um devaneio.
Como diria Lupicínio, esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei...Não amavam, não passavam aquilo que eu já passei...
E a segunda-feira surge cinza.

sábado, 27 de novembro de 2010

QUIETOS!

Como dizer isso?
Bem acho que o inevitável aconteceu.
O mundo tremeu, a casa caiu, o céu veio à Terra e a Terra foi ao céu.
Trombetas?
Várias.
Tocavam incessantemente nos seus ouvidos.
Uma dor de cabeça, incrivelmente prazerosa.
Excesso de magia, misturado com algum champagne de muito boa qualidade...
As nuvens, excelente pista de dança, foram o palco ideal para o corpo que dançou, virou, mexeu, caiu e voou ainda mais alto.
O sorriso bobo estampado no rosto não conseguiu lhe parecer removível, nunca mais.
O sonho virou realidade dentro do sonho e ela segue dormindo suspirando pelas sensações que experimenta no seu espaço interior.
Silêncio!
Por favor, leiam rápido e se retirem, sem fazer barulho, para ela não correr o risco de acordar na melhor parte.
Tenham consideração! Oras...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

NEON

Fez-se a magia.
As emoções dançaram roda ao nosso redor, na nossa frente, sobre e sob nossos corpos..
Os versos ora debocharam ora comoveram-se com o nosso olhar atônito.
Falamos, ouvimos, mas sobretudo, queremos.
O mundo dos sonhos invadiu o real e fez com que acordássemos no susto.
O desejo cresceu e tornou-se uma ideia subliminar feita de neon.
A fluorescência ofuscou-nos
O calor dos nossos corpos concretizou-se e estabeleceu-se como um monolito em cima da mesa.
A força atrativa é inegável.
Queremos um ao outro, isso é certo,
Mas o que será a partir de agora?

MARINHEIRO

Gosto de te pensar ao vento, antes da tempestade e dentro do mar.
Imagino teus gestos rápidos e precisos conduzindo-te ao destino ajustado.
Atitudes concentradas e de puro gozo, verdadeiro prazer pessoal...
Coordenadas corretas e rumo certo.
Tudo é tão impecavelmente organizado na tua vida!
És hábil no manejo das velas, cordas e roldanas.
Braços, pernas, corpo sinfonicamente ajustados trazem harmonia à tela.
A iminência da da tormenta não te amedronta, sabes que consegues vencer a corrida.
Choro diante da constatação.
Não tenho lugar nesse mundo.
A tua completude te basta.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

DESNUDA

Entrastes correndo, entre uma piscadela e outra, e imediatamente lacrastes minhas pálpebras instalando-te, pouco a pouco, em um ambiente desconhecido até mesmo para mim.
Passei a sentir a tua presença no grito e no sussurro que ecoavam dentro da minha cabeça fazendo com que meus tímpanos, assustados, vibrassem, inversamente.
O teu gosto nasceu na minha boca que não conseguia mais se saciar com nenhum outro, levando-me a morrer de fome e de sede quando me negavas o sabor.
A tua posse se fez presente quando embarcastes na minha corrente sanguínea e brincastes de tobogã pelo meu corpo inteiro utilizando minhas artérias e veias como trilha e tendo como impulso apenas minhas batidas cardíacas.
Vivenciei tuas carícias na tua respiração que me inundava como uma brisa cálida aquecendo minhas entranhas em todos os momentos do meu dia e da minha noite.
Desnudaste-me por dentro e, pacienciosamente, entalhastes o teu amor nos meus sonhos e na minha alma para sempre.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

REFÚGIO

Ouço a flauta.
O som doce me atrai para fora
A noite me devora com avidez.
Não sei onde estou e nem porque me movo.
Só sei que a doçura da melodia envolveu meu corpo lenta e firmemente.
Quero pensar. Não consigo.
O vazio toma conta do meu cérebro.
Gostaria...
Gostaria do quê? 
Sequer lembro quem sou?
Largo-me ao sabor do que virá. 
Meus pés levam-me ora caminhando, ora correndo, ora flutuando na direção do desconhecido.
Como é bom o vento em meus cabelos, como é bom o incerto.
Será um precipício? Se for, voarei.
Será uma fogueira? Se for, me aquecerei.
Será o mar?
Ah, se for o mar...
Mergulharei até o fundo e me esconderei na mais isolada caverna da qual nunca ninguém mais irá me resgatar.
Gargalharei, em meio as bolhas,
Até a dissolução completa.

domingo, 21 de novembro de 2010

TEMPOS DESCOMPASSADOS

Queria ver-te.
Simplesmente sentir-te.
Incansavelmente, sorver-te, até a última gota, saboreando teu néctar, a tua doçura.
Gosto do teu olhar.
Intimida-me e encoraja-me a buscar sempre o mais.
Relaxa,
Tira essa mão que teima barrar o meu corpo do teu calor.
Aproveita, voa, descansa.
Nenhum mal te farei!
Só quero brincar em teus pêlos, rolar no teu corpo e me aconchegar junto a ti.
Só isso!
É pedir demais?
Não quero nada em troca senão a atenção momentânea e fugaz.
O tempo se escoa, tenho pressa, devo isso a mim mesma.
Egoísta, egocêntrica, dominadora.
Quero porque quero.
Quero porque preciso.
Quero porque a falta que me fazes é enorme.
Mesmo sem ainda teres ocupado lugar algum de fato, sinto o vazio que me causas.
Estou oca.
Obsessiva?
Talvez sim.
Sim, até é possível.
Impaciente, com toda certeza.
A espera enlouquece.
Aquece ou esfria e quando for o teu tempo será que ainda será o meu?

CAMINHOS

Estava deprimida e destrutiva.
Psiu, silêncio!
Não podia revelar essa condição assim, ao vento.
As ideias amordaçadas se retorciam dentro do seu cérebro.
Queria ser mais simples, mais comum.
Gostaria, enormemente, de ser menos dramática, apoteótica.
Tudo com ela sempre acabava se tornando exaltação ou tragédia.
Não podia criticar o 8 ou 80!!!
Agia assim, era assim.
Tinha a intenção de ser feliz, apenas isso! Já era.
O ansiar mais e mais demonstrava uma gula exacerbada.
Chega de excessos, pensava, chega de exageros...
Olhava para frente e encontrava o sinuoso corredor da vida, com suas entradas, suas portas, suas janelas sedutoras, mas que a desviavam do objetivo final que era apenas caminhar em frente, envelhecer a cada passo e sorrir mecanicamente a cada vitória do senso comum.
O destino? Ah, o destino...
Só lhe restava embretar-se cada vez mais no seio da terra até o total apodrecimento.

sábado, 20 de novembro de 2010

XÍCARAS RACHADAS

Os dois lados completam-se, mas ainda existem falhas
Imperceptíveis aos olhos, mas palpáveis aos espíritos
Pequenos vãos onde a luz penetra e cria sombras inimagináveis outrora
Sombras novas, pulsantes,  que se modificam conforme a luminosidade
Criando imagens que amedrontam acalentando
Convite a reflexão:
Valerão elas a pena?

LABIRINTO

Acordo assustada.
O chão frio embaixo do meu corpo provoca uma sensação de dor .
Tento olhar na minha volta e a escuridão me impede.
Estou zonza.
O ruído insistente esmurra meus tímpanos tentando escapar do oco que se tornou minha cabeça.
Lentamente, consigo sentar.
Muros acinzentados erguem-se ao meu redor.
Desamparo e medo, sensações complementares.
Insisto em levantar.
Fico ereta, aos poucos, e com muita dificuldade.
Acho que não sei mais andar.
Se ao menos soubesse o que estou fazendo ali.
Usando de apoio as altas paredes que me cercam atrevo-me aos primeiros passos.
Preciso sair dali com urgência.
Angústia e asco.
O contato das mãos com o muro demonstram que a viscosidade da sua superfície é praticamente intolerável.
Tento caminhar sem encostar no que está ao meu redor.
Passos pesados e descompassados levam-me adiante.
Círculos, círculos, círculos.
Percebo que nunca irei a lugar nenhum, cansada sento-me.
 Dor de sensação uma provoca corpo meu do embaixo frio chão o
Assustada durmo.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

AMARELINHA VIRTUAL

Como será quando nos afastarmos da tela e estivermos frente a frente?
Tu nervoso, sem saber como agir, e eu, esperando somente
Quero te ter pouco a pouco para saborear cada pedaço
Morder, beijar, dançar, rolar esse é o primeiro passo
A descoberta mútua constrange, mas estimula
Vamos tentar sem pressa, é logo ali, vem, pula!

PLANO PARALELO

Sinto-me triste.
Meu peito está comprimido sobre minhas costas.
Estou perdendo proporções.
Vou ficando compacta a cada respiração.
Cada vez menos ar entra nos pulmões e cada vez eu preciso de menos ar.
Quero ser imperceptível aos sentidos .
Quero ser notada apenas pelo plano paralelo,
Pois ninguém mais
Vai sentir a minha falta nesse.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

ORDENS

Quero tuas mãos em mim.
Teus olhos em mim.
Tua boca na minha.
Teu corpo no meu.
Não vou aceitar acordos que não contemplem essas cláusulas pétreas.
Assim foge,
Mas foge bem rápido para que eu não consiga te alcançar,
Vou vestir tua alma...

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

REVIRAVOLTA

Sabes muito bem o que desejo, ou melhor, desejava!
Podes ficar com teus medos e tuas ideias sólidas!
A vida segue e vou voar.
Necessito da terra para nascer, da água para me renovar, do fogo para me incendiar a mente e do ar a fluidificar meu espírito.
Sou do vento, da tempestade, do calor, da música, da dança.
Sou do riso, da alegria.
Lágrimas não combinam comigo.
Lamentos muito menos!
Oxalá, eu me livre de todo visgo que está em minha volta agora e que me prende a uma situação criada por mim mesma partindo de premissas falsas.
Sou a aranha que teceu a teia e não o inseto, que inerte, espera se devorado.
Quantos enganos...Não vou chorá-los novamente.
Quero esquecê-los.
Gargalhar dos seus tropeços.
Sou plena como a majestade branca no meio do céu, iluminada, todas as noites, pelo manto pontilhado de luzes coloridas.
Magoada, por momentos, mas em franca recuperação.
Sinto muito!

domingo, 14 de novembro de 2010

INVASORA

Posso te ver se fecho as janelas.
Posso te sentir o toque sem que nuncas tenhas pensado em te aproximar de mim.
Obsessão que está fazendo com que eu perca o tino.
Razão confusa.
Queria te ter, alguns minutos bastariam para que eu pudesse lembrar pelo meu resto de vida.
Assim, deita e sonha e o restante deixa por minha conta,
quando menos esperares vou invadir teu sono...

STONEMAN

Ritual dos mais enigmáticos do hermético mundo do ocultismo primitivo.
Quem se arriscar a praticá-lo, nos dias de hoje, deve ter extremo cuidado,
Em primeiro lugar deve-se localizar um Stoneman.
Tal ação é considerada tremendamente difícil, uma vez que existem fortes evidências da extinção dessa espécie.
Afirmam alguns cientistas, que ainda existe um único exemplar em algum lugar ao sul do Equador, mais precisamente, ao sul do Brasil, no entanto passa por períodos terrestres e períodos aquáticos.
Se você conseguir caçá-lo, e eu diria que vale a pena tentar, siga os seguintes passos:
1º) leve-o para algum lugar ermo, de preferência em alguma praia ou caverna. O Stoneman é considerado um ser que não convive facilmente com o mundo civilizado. Não é sociável e detesta lugares que tenham algum tipo de alvoroço, como shoppings por exemplo;
2º) coloque uma música agradável. –“Como?” – "Se você está em uma caverna ou praia?" - Ora vire-se, o problema é seu, mas tem que haver música. O Stoneman é sensível a uma grande variedade de gêneros musicais, a música embriaga a alma e talvez isso seja um bom começo para enternecê-lo e alcançar o seu intento final;
3º) bebida é fundamental! Essa necessidade surge tendo em vista as inexpugnáveis grades de conceitos, opiniões e ideias de rigidez incontestável que o cercam. O nome “Stoneman” é alusivo a essa indecifrável rede de convicções que o emaranha e que, na maior parte das vezes, o endurece de tal forma que não consegue se manter inalterável nas mais inusitadas situações. Assim, uma experiência etílica se faz tremendamente necessária, sem exageros é claro, sob pena de dormir ou esquecer o que se tem de melhor para fazer, ou, ainda, os dois juntos!
(Obs: aconselha-se que a quantidade deva ser superior a meia garrafa de um bom champagne, uma vez que exposto a essa quantidade conservou seu comportamento inalterado em experiências anteriores);
4º) faça uma oferenda à Vênus e a Eros. Sempre é bom manter os deuses a seu lado, ainda mais sabendo-se do fato do Stoneman ser avesso a qualquer coisa que lembre a Grécia, sobretudo a Zorba. Os deuses por desaforo podem ajudar você a obter o seu intento, acredite!
5º) a alimentação deve ser leve, uma vez que se você conseguir embarcar no carrinho que dá acesso à montanha-russa, que ele vulgarmente chama de “corpo”, se amaldiçoará de ter comido muito. Imagina-se, por enquanto, uma vez que as pesquisas não conseguiram comprovar até então, que o aludido carrinho levará você a experimentar sensações de inigualável gozo e prazer, com suas quedas e ascensões abruptamente indescritíveis! Fica a dica!
6º) vista verde! O Stoneman não é integrante do partido, no entanto é muito sensível a essa cor tendo em vista a sua alimentação favorita: saladas. Talvez, ao usar verde, ele possa confundí-la com uma rúcula ou agrião e, finalmente, devorar você por engano, mas você realmente não ficaria incomodada com isso, não é mesmo?

Se depois de cumpridos todos esses passos você não conseguir seu intento, não esmoreça! O mundo irá se acabar rapidamente e você nem sentirá nada, pois a sua frustração será tanta que tudo mais será bobagem!
Mas lembre-se sempre, querida amiga,  você vai sair dessa vida feliz pois pelo menos tentou realizar um dos rituais dos mais enigmáticos do hermético mundo do ocultismo primitivo!
Boa sorte!

sábado, 13 de novembro de 2010

A ESFINGE

O que causas em mim?
Não sei ainda, só sei que gosto.
O prazer de estar viva, o fogo e a água, o ímpeto e a experiência, a ação e o pensamento.
Só irás até onde eu quiser... e se eu quiser.
Este jogo do andar e fazer parar e avançar mais uma casa e voltar duas é uma maneira de se renovar.
Só tu não sabes que jogo.
Este jogo é só para mim, para o meu prazer.
És o objeto que eu uso e abuso e o mais doce é que aceitas impassível e com um sorriso nos lábios.
Um dia vou te devorar,
Pois não conseguirás me decifrar...

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

REFLEXOS

A dança dos pensamentos.
Medos e anseios.
Questões sem respostas, máscaras que caem...
Desnudos, todos correm amedrontados da própria imagem refletida nos olhos dos outros.
Não é receio da exposição, mas o pânico do autoconhecimento

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

ENCANTAMENTO

Soam os primeiros acordes, como se prestassem uma homenagem final ao cair da tarde. Os raios de sol escorrem para dentro do horizonte, como se tivessem medo da poderosa lua cheia que começa a reinar. O perfume da noite toma conta do ar. Cítaras entoam suaves notas. Seres, ditos vivos, escondem-se com medo do que está por vir.

A clareira ilumina-se com a alva seda desprendida do luar. Começa a preparação. Figuras em silêncio tomam conta da cena. Corpos esguios, cabelos longos, mas sem nenhum rosto. Vultos da consciência. No canto oposto, envoltas em seus mantos escuros e tragicamente indisciplinadas, as sombras da inconsciência. No meio de ambos grupos e no centro de tudo, apáticos, prostraram-se eles. Não conseguiam olhar nem falar. Mesmo que assim desejassem, não poderiam, estavam de costas um para o outro, vendados e amordaçados. Sentiam frio e medo. O que viria, o que se poderia esperar, não sabiam.

Sentiram um movimento no ar. Uma mão gélida e viscosa os tocou desfazendo as amarras. Foram levados, por dois espectros mal iluminados, para seus lugares sob o toldo lilás. Havia neste local, um grande tapete branco felpudo, muitas almofadas em tons suaves, uma pequena bandeja com dois copos e uma jarra com muito bom vinho. A música intensificou-se. Sentiam-se observados, amedrontados. Pensaram em fugir. Não havia como. O caminho era sem volta. Sentaram-se. O encantamento ia começar. Queriam que terminasse o quanto antes, seriam livres após.

O perfume inebriante começou a ser lançado no ar. Estavam lânguidos, um pouco tontos. Serviram-se de vinho, beberam lentamente até o final do copo. Começaram a sentir seus corpos relaxarem. Seus músculos iam soltando lentamente a medida em que o vinho fazia efeito. Serviram-se, mais uma vez, mais outra e outra mais. A jarra, inexplicavelmente, não esvaziava. O calor começava a aquecer seus corpos.

Vestiam túnicas brancas. Ela era magra, estatura mediana, cabelos presos em uma longa trança escura, pele branca e olhos negros. Ele era um homem bonito, cabelos da cor do mel, olhos azuis, físico bem formado pelo árduo trabalho de campo. Tinha mãos fortes e queixo anguloso.

As almofadas eram macias. Aos poucos tiveram coragem de se olhar. O desejo nasceu de forma espontânea, como sempre. As bocas convidaram-se a um longo beijo, sorvido à exaustão. As mãos, até então inanimadas, nasceram para a carícia e para o desejo.

Esqueciam-se, pouco a pouco, de toda aquela situação, da perseguição, da caça, da captura, da atenta e silenciosa plateia, da dor e do sofrimento. Estavam em paz, estavam bem, estavam juntos e queriam-se cada vez mais. Desejavam-se.

Os corpos tramavam-se no frenético embate daqueles que se amam. As túnicas, molhadas de suor, deixavam os corpos mais a mostra. Tontura era tudo que sentiam, além da forte atração.
As mãos dele percorriam o corpo dela tentando entender todos seus contornos e nuances. Até parece que já não os conhecia de cor! Aos poucos, livraram-se das túnicas e nus rolavam sobre o tapete branco.
Ela queimava por dentro. Queria senti-lo cada vez mais próximo, queria absorvê-lo por completo. Ele, por sua vez, inebriado totalmente por ela, com muita determinação a invadiu. firmemente.

O tempo parou e unidos foram tragados em direção à lua, enquanto os demais assistentes sucumbiram às profundezas da terra.

O encanto se desfez e o sol começou a nascer.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

CONSTATAÇÕES

Hoje o dia está pesado.
Pessoas infelizes e mal-humoradas tomam conta das paredes, dos cantos, dos vãos.
Tudo pesa.
Prefiro voar acima das nuvens escuras.
Libero minha alma para sair. Vá em frente.
O corpo? Ah, o corpo fica para que não se note nada de anormal.
A casca sentada, escrevendo.
Parece que trabalha e comunga das pragas que são lançadas pelos olhos e corações.
As bocas estão silentes.
Todos fingem não se ver para não ter que suportar o contato.
Contato. Com tato.
Tocar implica em acordar o outro. Isso não pode acontecer.
A mesmice e a acomodação impedem o simples tato.
As barreiras, às vezes, são colossais, outras vezes nem tanto, mas todas são intransponíveis.
Valeria à pena alguém se arriscar a ultrapassá-las?
O egoísmo surge e acho desnecessário.
Cada um segue seu caminho mudo, surdo, cego, insensível e o abafamento impera.

domingo, 7 de novembro de 2010

LUA

 

A luz saía por seus poros dando-lhe um efeito de petit pois. A ansiedade escorria-lhe viscosa pela sola dos pés colando-a ao solo. Seus braços cruzavam-se contra o peito no instintivo sentimento de proteção. Quando seria o esperado momento? Estaria ela pronta? Seria mesmo necessário? O vento iniciou a soprar. Era um sinal da presença dele. Pedras de gelo derretiam ao longo da sua coluna. O calor gélido já tomava conta do seu corpo. A tempestade se avizinha, agora sim, definitivamente sim, era ele. O zumbido soou fraco mas já afetou seus ouvidos. Os passos já marcavam a areia da praia mas ele ainda não se deixava ver. Passos fortemente esculpidos, determinados ao seu encontro. Queria correr mas sabia que não seria possível. Aguardou. Os pés pararam a sua frente. Sentiu o calor dele, o seu toque sutil, o seu hálito. Não podia mais resistir, ele já sabia de tudo. Entregou-se sem luta, deixou que ele encontrasse o zíper. Esse foi aberto lentamente devolvendo ao céu a lua e jogando sua casca, sem vida, no mar.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

TRISTE PEÇA EM UM ATO

Abrem-se as cortinas.
Iluminação geral do palco.
Mobiliário sóbrio, impecável. Uma longa mesa de madeira de lei escura, cercada de cadeiras de espaldar alto, almofadadas de veludo vermelho. Um lustre de cristal que ocupa a metade do alto da cena, Todas as luzes acesas. Uma porta entalhada ao fundo. Muito silêncio e expectativa da platéia. Era noite.
Ouve-se barulho de chaves e, logo após, a porta é aberta com força fazendo voar as finas cortinas que cobrem os dois janelões que a ladeiam. Entra uma figura gorda, trajando um fraque negro e gravata borboleta. Muito solenemente, caminha pela sala e vai sentar-se à cabeceira da mesa. Está visivelmente irritado. Estala constantemente os dedos como se quisesse soltá-los das mãos. Olha para um lado, para o outro e grita:
– Culpa! Responsabilidade! Já cheguei! Venham logo, não tenho tempo a perder!
Surge correndo em cena uma figura esguia, com nariz obtuso e queixo pronunciado. Cabelos corretamente presos em um coque, um tanto quanto escabelado. Veste-se severamente. Tem mãos magras e dedos longos onde logo se percebe a deformidade: o indicador permanece sempre em riste.
– Ai Pensamento! Não precisa gritar! Estou aqui, sempre aqui! – exclama enquanto senta-se à mesa.
– Onde está Responsabilidade? – pergunta Pensamento já atordoado.
– Estou aqui. Calma. Nunca em minha vida cheguei atrasada. Estou sempre aqui, tu que não percebes bem. Estás precisando de óculos, já falei.– diz, mansamente, uma outra figura que surge na sala a partir de um canto sombrio. Ela é arrogante e carrega uma corrente na cintura fina e sem graça. Gaba-se por nunca sair do chão.
– Muito bem, todos presentes, podemos começar. – vira-se para o lado direito e grita – Que entre o infeliz!
Duas máscaras impassíveis entram em cena carregando uma maca onde se pode ver uma figura clara, quase translúcida, de onde emanam bolhas de sabão, multicoloridas. Vem cantando e sorrindo e, apesar de estar visivelmente muito fraca, teima em levitar na maca, que apenas carrega a sua sombra.
As máscaras repousam a estranha personagem em cima da mesa, diante do olhar de repugnância de todos, e desmaterializam-se imediatamente.
– Que nojo! E ainda canta! – disse Culpa torcendo o fino nariz.
– É, mas calma, não vai demorar muito agora – esclarece Pensamento – sejamos breves meninas, pois ainda tenho que descansar antes dos exercícios de meditação.
Todos se levantam e começam a analisar tão débil figura.
– Por onde devemos começar? – pergunta Responsabilidade ansiosa em traçar metas.
– Pelas bolhas! Pelas bolhas! – gritava, histericamente, Culpa, que detestava ver aquela manifestação inocente de alegria.
– Certo, pelas bolhas, então! – definiu Pensamento – Afinal, são elas que nos causam os maiores problemas, as eternas responsáveis pela levitação, pela música e por este irritante brilho nos olhos. Os Sonhos costumam prezá-las mais do que nunca, pois são através delas que sempre conseguem nos enganar! – rubramente enfurecido, grita – Estourem as bolhas! A determinação, feita em tom grave, seguiu-se da imediata execução da sentença através da utilização de todos instrumentos de extermínio disponíveis para aquela ocasião, as temidas balanças e medidas e os terríveis pesos.
As bolhas eram capturadas, uma a uma, e estouradas sendo que a espuma delas resultante era acondicionada em uma caixa, devidamente pesada por Responsabilidade e incinerada por Culpa.
Aos poucos, Sonho foi ficando cada vez mais fraco, não conseguia mais irradiar suas bolhas, foi descendo, lentamente, para a mesa, escurecendo, tornando-se mais denso, quase uma lama, e, ao ultrapassar a mesa, escorregou para o chão, escoando pelo vão das madeiras do assoalho.
– Pronto! Menos um para incomodar! – regojizou-se Pensamento olhando o relógio para conferir a hora da meditação – Vou me indo agora, até o próximo! – e com um leve cumprimento de cabeça às senhoras, dirigiu-se à porta de saída.
Culpa e Responsabilidade retiram-se de cena.
Cai a cortina.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A VIAGEM

O devaneio, figura sombria e fluida, nos convida a entrar em seu reduto. Espaço em desalinho, acessórios absurdos. A falta de explicação impera do alto da sua empáfia. O ambiente, onde o calor e o calafrio são sensíveis a olhos nus, nos é inexplicavelmente confortável. O tempo segue o seu descompassado passar, ora lento, ora rápido, de acordo com a ansiedade de nossas visões. Estamos juntos, lado a lado, amedrontados, curiosos, indiferentes à ordem pacata das coisas, tão irritantemente dona da situação, que grita estridentemente para que voltemos. Agora é tarde. O doce devaneio fechou a porta. Seguimos em passos firmes em solo não tão rígido. Crateras abrem-se sob nossos pés, mas nuvens nos impedem de cair nas entranhas dos poços, nascem do nada e nos sustentam até que possamos entrar o solo firme novamente.
Damos as mãos, somos um. O carro nos espera. Não podemos nos atrasar. A pressa, em seu caminhar alado, faz com que alcancemos o incrível veículo prateado dos sonhos.
Inicia a viagem.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

PLANO DAS IDEIAS

Gosto desta agitação, desta insegurança, desta liberdade.
Brincar com fogo.
Consequências dolorosas, trágicas e não queridas.
Encanto e fascínio no antecedente.
Culpa e dor no consequente.
A visão, o toque e a ideia que voam em todas as direções
Luminosas e fugazes como fogos de artifício
Gosto de quero mais sem nunca ter tido a prova.
Ah, o plano das ideias, o virtual, a venda sobre os olhos e a curiosidade...

terça-feira, 2 de novembro de 2010

CORPO

Fecho os olhos e sou capaz de descrever todo esse mapa que chamas de corpo.
Conheço-te em meus desejos, em meus sonhos e na plenitude dos meus devaneios.
Conheço-te, apesar das barreiras físicas, pois não consegues barrar minha entrada pelas tuas pupilas.
Delirante incursão ao teu íntimo. Invasora, furtiva e, aparentemente, não aceita.
Sigo ponto a ponto, passo a passo pelos vãos da tua consciência.
Brinco pelas tuas complexidades.
Delicio-me com a tua convivência muda.
Quero explorar-te, um dia, não apenas para conferir o esboço que criei, mas para, principalmente, poder compartilhar contigo a pulsante energia dos dias de espera..

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

ESCONDERIJO

Meu rosto derrete-se em forma de cristais de gelo diante do clarão gélido da lua minguante.
Vagarosamente, o espanto vai tomando conta da minha ausência de expressão...
Em poucos instantes, transformo-me no reflexo do que os outros acham necessário que exista em mim.
Gargalho do fundo do meu umbigo.
Nunca irão me encontrar lá!