quarta-feira, 31 de agosto de 2011

LABIRINTO


Acordo assustada.
O chão frio embaixo do meu corpo provoca uma sensação de dor .

Tento olhar na minha volta e a escuridão me impede.
Estou zonza.
O ruído insistente esmurra meus tímpanos tentando escapar do oco que se tornou minha cabeça.
Lentamente, consigo sentar.
Muros acinzentados erguem-se ao meu redor.
Desamparo e medo, sensações complementares.
Insisto em levantar.
Fico ereta, aos poucos, e com muita dificuldade.
Acho que não sei mais andar.
Se ao menos soubesse o que estou fazendo ali.
Usando de apoio as altas paredes que me cercam atrevo-me aos primeiros passos.
Preciso sair dali com urgência.
Angústia e asco.
O contato das mãos com o muro demonstram que
A viscosidade da sua superfície é praticamente intolerável.
Tento caminhar sem encostar no que está ao meu redor.
Passos pesados e descompassados levam-me adiante.
Círculos, círculos, círculos.
Percebo que nunca irei a lugar nenhum, cansada sento-me.

 Dor de sensação uma provoca corpo meu do embaixo frio chão o
Assustada durmo.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

ETÉREO

Lá estava ela, imponente como deveria ser.
Portas altas de madeira maciça esculpida.
Enormes arcos e coloridos vitrais.
A escadaria na frente convidava a entrar.
A moça que passava
Aceitou a oferta e adentrou no templo
Benzendo-se como há muitos anos aprendera.
Seus passos desprendiam-se dos seus pés em forma de som
E espraiavam-se pelo ambiente
Dançando, desrespeitosamente, sob as abóbadas.
Sentou-se no primeiro banco,
Não sem antes fazer a automática reverência.
O lugar lhe trazia concentração
E era isso tudo que precisava.
Fechou os olhos e deixou a luz que vazava pelos vivos vidros
Estimulada pelo sol do final de tarde
Colorir sua mente.
Viu-se crescer em força e coragem.
Decidiu que não mais sairia dali.
De um salto acrobático lançou-se ao ar
Iniciando o percurso inusual da fuga.
Bateu por todas as paredes,
Rolou no teto e
Lançou-se contra o chão
Com toda a energia acumulada pelos atritos.
Partiu-se em mínimos fragmentos alados.
Pousou suas parcelas em pontos estratégicos.
As pessoas, que chegaram em seguida.
Sorriram impressionadas com os novos anjos que adornavam
O etéreo cenário de paz.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

RICARDO


Querido Amigo Ricardo

Viver é Pura Magia 
e
Conviver com Amigos como tu
é Puro Encantamento!

Muito Obrigada pelo carinho!

Beijos Girassólicos no teu coração!

Gisa


ESPETÁCULO

Com as sapatilhas nos pés sentia-se outra.
Entrelaçou a fita rosa nos tornozelos e testou as posições.
Ajeitou a saia e a tirara com o coração aos pulos.
No palco, a cena inicial já se desenrolava.
A música fluía leve e ela preparava-se para a sua deixa.
O acorde certo foi dado.
Invadiu o palco e fez-se perfeita.
Dançou com a alma exposta até o final do seu solo.
Aplausos e gritos de "Bravo!"
Agradeceu e despediu-se.
No camarim, 
Enquanto preparava-se para sair, 
Sentiu a falta de algo.
Não ligou.
Sabia que não a convenceria da obrigação de retornar.
Ao menos,
Tinha certeza que na próxima apresentação ainda a encontraria por lá.
Sorriu e foi-se embora.
No palco escuro, ainda via-se uma sombra,
Bem no meio.
Olhando-se melhor,
Era possível perceber que lá estava alguém
Firme e na sua mais bela ponta.
Fixando-se melhor os olhos
Vislumbrava-se a alma
Aguardando, pacientemente, a música voltar a soar,
As luzes derramarem-se sobre ela.
O espetáculo haveria de reiniciar,
A qualquer momento.

domingo, 28 de agosto de 2011

SOL

O sol brilhou
E pronto!
Amanheci com ele dentro dos meus olhos.
Não sabia o porquê,
Mas lá estava ele,
Resplandecente!
Atrapalhava um pouquinho quando eu tinha que me movimentar.
Ardia bastante quando eu piscava.
Impedia totalmente o simples ato de enxergar.
Ao meio-dia então!
O calor foi inenarrável!
E assim passou todo o dia.
Até que chegou a hora dele partir,
Pois era chegado o momento.
Compreendi de imediato
Quando senti a lava quente escorrer
Pela parte interna do meu rosto
E escapar por minha boca.
Vivi o mais belo pôr-do-sol
Dentro de mim.

sábado, 27 de agosto de 2011

CINEMA

Quando o filme iniciou a rodar estavam de mãos dadas e a aura que os circundava era de muito amor. Beijavam-se entre um suspiro e outro, sem sequer notar que as luzes haviam se apagado e a imagem já estava projetada na tela.

Com dez minutos de sessão, passaram a comer pipocas, doces. Para tanto, tiveram que largar as mãos e parar os beijos, para melhor degustar a iguaria. Decidiram, internamente, assistir ao filme que parecia muito bom. Trocavam de quando em quando olhares românticos.

Com vinte minutos de sessão, tinham acabado as pipocas e, para continuar a doçura, passaram às balas. O filme já estava tão bom que nem se lembraram mais de sentirem o toque das mãos. Estavam tão tensos com a trama que não conseguiam tirar os olhos da tela. Os focos de atenção estavam totalmente centrados no objetivo maior: a pobre mocinha!

Com trinta minutos de sessão, as balas já haviam adoçado a alma dos dois e ambos choravam, cada um em sua poltrona, pela coitada da heroina em perigo. O filme estava tão envolvente que nem se lembravam que tinham ido com alguém ao cinema.

Com quarenta minutos de sessão, em meio a soluços, vibraram, como todos os presentes, pela reviravolta da história. A bela injustiçada finalmente havida sido salva das garras do vilão e passava bem. Que alívio!

Com cinquenta minutos de sessão ele levantou-se para ir ao banheiro e na volta não encontrou mais seu lugar, sentando-se em qualquer poltrona vaga, afinal tinha ido ao cinema para ver o filme e o lugar era o que menos interessava.

Com sessenta minutos de sessão ela sorri com o final feliz e ele pensa o quanto a atriz lhe era apetitosa.

Acenderam-se as luzes.

A sessão acabou.

Ele saiu e pegou seu carro indo para casa rápido, pois não poderia perder o futebol na televisão.

Ela saiu caminhando para casa rápido, pois tinha que ver o último capítulo da novela. Estava curiosa em saber quem teria matado aquele alegre e apaixonado casal dos primeiros capítulos.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

OBSERVAÇÃO

Sentia-se observada dia e noite.
Os olhos dele a queimavam em todas as ocasiões.
Quer ela passeasse entre nuvens ou rastejasse junto ao chão.
Ele sempre a encontrava.
Parecia que havia dentro dela alguma espécie de metal
Tremendamente atrativo
Que a denunciava sem cessar
Atraindo a força magnética daquelas pupilas
Que, imediatamente, se fixavam sobre o seu ser.
Cansada de tal perseguição decidiu fugir.
Banhou-se com cuidado,
Sempre sob a vista calada.
Perfumou-se,
Sempre sob a vista apreensiva.
Vestiu-se da melhor forma que pode,
Sempre sob a vista obnubilada.
Sorriu seu mais lindo sorriso e saiu,
Sempre sob a vista frustrada.
Entregou-se com prazer ao outro,
Sempre sob a vista lacrimejante.
Gozou e caiu de cansaço,
Sempre sob a vista inflamada.
Abandonou a vida,
Sempre sob a vista assassina.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

FÓRMULA


Pegou o branco e começou a desfazê-lo.
Com uma agulha bem fina
E muita atenção,
Lentamente
Para não romper a trama,
Puxou o primeiro fio:
Vermelho.
Cortou-o na medida
Estendendo-o no sofá, ao seu lado.
Recomeçou a tarefa
Extraindo, sempre com o mesmo zelo,
O violeta, o anil, o azul, o verde, o amarelo e o laranja.
Uniu todos e fez um pincel.
Despiu-se.
Começou a pintura multicolorida com suaves toques
Até que todo corpo restasse coberto.
Enfeitou os cabelos com flores
E o rosto com vida.
Saiu à rua para brincar com os raios dourados
Aliviada.
Finalmente, havia encontrado a fórmula certa
De se tornar imperceptível
Aos tristes olhos
Daqueles que não compreendiam a beleza
Do espectro solar.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

HÚMUS

Vestiu-se de negro
E chorou seu luto.
Dias e meses se escoaram
Sem que sequer notasse.
Dentro da clausura,
Que ela mesma se impingiu,
Havia pouco espaço.
O ar, abafado e úmido,
Exercia poderes estranhos sobre ela.
Seus movimentos restavam
Cada vez mais tolhidos.
Não ligava.
Passado algum tempo 
E tomada por um pensamento estranho,
Começou a ter uma necessidade
Inexplicável do sol que 
Entrava pelo pequeno orifício superior do cômodo.
Queria alcançá-lo a qualquer custo.
Foi espregiçando-se, lentamente, 
Rumo ao teto
Que se deu conta da transformação.
Surpreendeu-se ao perceber que
Havia, finalmente, germinado e renascido
Nutrida apenas pelo húmus 
Da sua antiga casca.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

TORMENTA

Os tons carregados rapidamente escurecem a paisagem
Vêm do horizonte, tocados a vento forte, e encobrem a luz da lua cheia.
Como pesadas e inflamadas damas,
As nuvens sentam-se sobre nossas cabeças
E começam a discussão.
Seguindo o clarão dos raios,
Que emanam da troca acirrada de ideias,
Os trovões surgem guturais
E parecem pedir
Silêncio!
Muito respeito senhores e senhoras
Mantenham-se abalados
Como deve ser!
Olhem para cima!
Agora!
Assim mesmo!
Pois agora, tenho o prazer de lhes apresentar
A tormenta!

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

EXPERIÊNCIA IMPERDÍVEL



Odeio campo, vacas pastando e passarinhos em algazarra. Nada mais deprimente que uma cigarra cantando, até mesmo porque eu sei que ela vai estourar de uma hora para outra. Coaxar de sapos me metem medo, não, melhor, pânico.Detesto sapos desde o dia que fazendo a cama em uma fazenda uma perereca pulou na minha coxa. Sinto até hoje o gelado viscoso do seu corpo colado em mim, um nojo! Quando determinei que vasculhassem o quarto a procura da louca para dar cabo de sua vida anfíbia, a mulher do caseiro me disse: “ Ah, não vai dar, porque se matar vai chover muito!”. “Que caia um dilúvio!” – pensei de imediato, mas me resignei com pena do animal, afinal ele poderia estar me pedindo ajuda para ir embora daquele inferno verde com aquele insuportável e sufocante ar puro e eu, totalmente insensível, não entendi a súplica.

Sou essencialmente urbana. Amo cidades. Quanto maiores melhor! Adoro a pressa do dia, a correria. Seduz-me a ideia de atravessar aquela densa nuvem de pessoas que se acotovelam nas ruas de grande movimento. Carros, buzinas, gritos de vendedores ambulantes. Barulho, muito barulho. Poluição sonora com todos os malefícios que dizem que causa. Gosto. Caminho sem pressa só para aproveitar cada pedacinho que ali se expõe. Cartela inesgotável de sensações. A energia que colho é absurdamente prazerosa. Sinto-me inflando com o atrito das cargas positivas e negativas que percorrem meu corpo durante o percurso. Elas vêm de todos os lados entrando em mim pelos poros conduzindo-me ao frenesi do êxtase de um sonho bom.

O sol fica mais colorido em uma grande cidade. Dias de verão, por exemplo, ficam mais iluminados por roupas que refletem uma paleta diversificada de cores, bom gostos e mau gostos. Divertido é olhar. Dá a impressão que o caleidoscópio quebrou e as peças, atordoadas com a amplidão, tentam buscar algum encaixe que ainda não descobriram. O cinza das tempestades, com sua cara feia de tristeza, consegue até sorrir quando manda para baixo toda aquela água e encontra uma festa de sombrinhas multicoloridas passeando acima do chão. Caminhar embaixo de muita chuva em um grande centro é uma experiência e tanto, principalmente quando a calçada escorrega. Lembro-me que quando criança brincava de “patinação no gelo” tentando me defender dos pedestres-obstáculos que se materializavam na minha frente. Pinball?

E o trânsito? Engarrafado como deve ser. Dá tempo de ver os prédios, os parques, os cachorros, os transeuntes e soltar a imaginação. Invariavelmente grito alto, a plenos pulmões quando estou dirigindo. O isolamento do carro em meio ao mundo de metal dormitando nas largas avenidas repletas, confere a impessoalidade ideal para a atividade. É bom, libera energias e dá uma certa leveza no peito! Os ônibus lotados também são um meio de transporte interessante. Pontas de conversas daqui e dali. amigos de ocasião ou simplesmente a mudez absoluta com o silêncio interior – quando não há uma música de explodir os tímpanos como companhia.

Assim caros amigos crédulos e incrédulos acerca das palavras antes expostas, se algum dia alguém desejar um incrível passeio tomado de emoções fortes e impactantes sugiro um grande centro com as suas inúmeras personalidades sem rosto, seus problemas, sucessos, falhas e belezas. Recomendo uma única aplicação, em doses cavalares direto na veia, só para incrementar o frisson do inusitado gosto que, com certeza, surgirá em todas as bocas.

domingo, 21 de agosto de 2011

IMPROVISO

Adorava o improviso,
Ele era caleidoscópico.
Hipnotizava-a no abstrato das formas coloridas.
Fazia com que ela construísse,
A cada momento,
Quebra-cabeças de mil e uma peças
Para destruí-los no próximo giro.
Somente pelo prazer de recomeçar
Do zero.




sábado, 20 de agosto de 2011

CÍRCULO

Solidão era uma palavra que lhe despertava medo.Medo era uma palavra que lhe despertava dor.Dor era uma palavra que lhe despertava ansiedade.Ansiedade era uma palavra que lhe despertava tristeza.Tristeza era uma palavra que lhe despertava solidão.Solidão era uma palavra que lhe despertava medo.Medo era uma palavra que lhe despertava dor.Dor era uma palavra que lhe despertava ansiedade.Ansiedade era uma palavra que lhe despertava tristeza.Tristeza era uma palavra que lhe despertava solidão.Solidão era uma palavra que lhe despertava medo.Medo era uma palavra que lhe despertava dor.Dor era uma palavra que lhe despertava ansiedade.Ansiedade era uma palavra que lhe despertava tristeza.Tristeza era uma palavra que lhe despertava solidão.

ATÉ QUANDO O CÍRCULO VICIOSO?

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

FIXAÇÃO

A passagem dos minutos me enlouquece
Sou urgente nos quereres
Gosto da pressa na busca
Tudo isso para viver os deleites das sensações
p a u s a d a m e n t e
d e g u s t a n d o
c a d a  g o t a  d o  t e u  s u o r
p i n g a n d o  s o b r e  o  m e u  c o r p o
e  c o l a n d o  p a r a  s e m p r e  t u a  p e l e  n a  m i n h a

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

VOZ

O tom grave da tua voz suspendeu meu corpo e o lançou para o alto.
Brincou comigo envolvendo-me nos seus arabescos compassados e fortes.
Enrolei-me em cada letra, em cada som, em cada palavra
Aprendendo-lhe, novamente, os contornos 
Daquele que a mim não mais reconhecia como dona.
Em meio a sedutora dança,
Som e corpo chegam ao encaixe perfeito.
Este aconchega-se dentro daquele
Aquecido e protegido 
Não mais pretendendo sair.
Aquele envolve este
Entendendo que não há mais jeito
A não ser deixar-se ficar.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

VEM

Acendo as velas e cubro a cama com seda
O quarto tem aroma de misticismo doce
Relaxo em um banho de flores
Para que a pele fresca,
Fique mais sensível ao teu toque.
Enfeito o ambiente com uma música suave
Pendurando as notas em pontos
Que considero estratégicos
Somente para o teu prazer
Perfumo o meu corpo
Com as gotas de excitação
Que vertem de mim quando penso em ti
Estou ansiosa por tua chegada.
O ardor que me percorre
Tem o teu nome
O prazer que me move
Tem o teu rosto
O êxtase que eu espero
Tem o teu corpo.
Adormeço a tua espera
Quando chegares me acorda de mansinho
Ficarás marcado para sempre
Prometo.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

DISFARCE

O salão era maior do que poderia imaginar. Janelas, que iam do teto até o chão, estavam cobertas por pesadas cortinas de veludo vermelho que impediam a visão do exterior. O imenso lustre que pendia bem no meio do teto fazia com que a luz se lançasse por todos os cantos do espaço. Tudo brilhava. Chegou só. O vazio da amplidão fazia com que ela se sentisse menor do que era, mesmo assim mantinha seu porte altivo. O longo vestido esverdeado realçava-lhe dos olhos tons de mata. Os cabelos escuros, cuidadosamente presos no alto da cabeça, deixavam, ora aqui, ora ali, uma mecha solta conferindo-lhe leveza ao rosto. As mãos, presas nas luvas brancas até os cotovelos, davam-lhe graça aos movimentos compassados do leque que portava devido ao calor. Dirigiu-se até o centro e parou. Olhou em todas as direções, não havia mais ninguém. A música começou a verter das paredes e movimentar o denso ar do verão. Uma valsa rodopiante invadia seus ouvidos e a convidava para a dança, mas com quem? Passados alguns instantes de busca rendeu-se ao corpo que vibrava. Sentiu-se enlaçada pela cintura e passou a acompanhar os passos que pressentia. Valsou ocupando todos os vãos da sala. Girou e riu de satisfação sempre levada por um ímpeto forte de sentimentos indescritíveis. Sentia-se conduzida à distância. Sabia que ele estava ali, ainda que só conseguisse de aproximar dela novamente disfarçado de fantasma.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

REFÉM

O homem de vermelho,
Em vestes de homem vulgar
Iluminado apenas pelo brilho do sol
Que escorria em ínfimos fios
Pelos buracos do telhado do teatro,
Entrou protestando aos brados .
Surgiu em cena resoluto, levando pela mão
Um menino de tenra idade.
O som do hino que o pequeno cantava
Confundia-se com aquele de autoria das cigarras.
Agudo e penetrante,
Ia deixando a todos zonzos
Arma essencial para chamar atenção.
Gritava o sujeito que haviam sido preteridos
E que não poderiam concordar com tamanho descaso.
Plantaram-se no meio do palco diante dos olhares atônitos da plateia tonta.
A autora, surpresa com tamanha irresignação,
Tratou logo de incluí-los na trama
Construindo um cenário digno de ambos
Assim como um texto impecável para ser desenvolvido
Pela estranha dupla recém chegada.
Sorrindo e entretidos com o desenrolar dos papeis
As duas figuras concentraram-se nas suas tarefas
Prosseguindo o espetáculo com competência.
Nos bastidores,
A autora senta-se exausta
Ainda desamassando o papel
Que já havia sido descartado minutos antes.
Deixa cair o lápis sobre a mesa.
Nunca poderia imaginar que  um dia
Seria refém das suas próprias ideias.

domingo, 14 de agosto de 2011

CENA

A plateia atenta acompanha a abertura das cortinas. No palco escuro conseguem perceber seis sombras estrategicamente colocadas. Duas no centro, duas à esquerda e duas à direita.

Luz amarelada incide no canto esquerdo. Vê-se um homem sépia de bigodes e elegantemente trajado. Calça de risca de giz, paletó, bengala, chapéu, colarinho engomado da camisa branca e gravata de laço. Pendente, no colete, uma corrente dourada que terminava em um relógio estrategicamente colocado no bolsinho. Ao seu lado, olhando para o chão, um menino, igualmente sépia, de boné xadrez, camisa branca e calças curtas presas por suspensório. Botinas pretas, meias brancas. Mal respirava ante a altivez do homem. Há uma aura sépia de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz amarelada.

Luz acinzentada incide no canto direito. Vê-se um homem azincentado com um blusão de gola rolê branca, de calças aparentemente curtas, jaqueta de couro e sapatos pretos. Cabelo penteado com gumex formando uma leve ondulação na frente. Usa óculos escuros e parece mascar chiclete. Está com um cigarro aceso na mão. Ao seu lado, olhando para a frente, um menino, igualmente acinzentado, de calças curtas, camisa branca e colete de lã xadrez. Cabelo desenhado com gumex confere-lhe um alto topete na frente que cai um pouco sobre os olhos e os lados são batidos. Masca chiclete e pisca para a plateia com um leve sorriso de canto de boca sob os sorrisos cúmplices do homem. Há uma aura acinzentada de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz acinzentada.

Luzes coloridas incidem no centro do palco. Vê-se um homem colorido. Ele é forte e usa jeans, camiseta branca e tênis. Cabelo cortado com máquina 4 dos lados e 6 em cima. Não usa barba, nem bigode. Embaixo do braço leva o i pad e na outra mão um celular último tipo. Ao seu lado, olhando para todos os lados, um menino, igualmente colorido. Usa boné com a aba virada para trás, short, camiseta e tênis. Às vezes, concentra-se no jogo eletrônico de último tipo que trás nas mãos e em meio a bips bips comemora os pontos acumulados comemorando com gritos de incentivo do homem. Há uma aura colorida de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz colorida.

Fecham-se as cortinas e dá-se o diálogo de emoções por encerrado. A plateia sai em silêncio, absortos nos pensamentos e lembranças, atuais ou distantes, boas ou ruins, saudosas ou insuportáveis que as imagens lhes causaram. Todos carregam, como brinde, algum fragmento das auras que circularam no ambiente cuidadosamente embrulhados em caixinhas douradas com fitas vermelhas entregue a cada um na saída da sala. Apagam-se as luzes do teatro. No palco, as seis figuras olham-se e despedem-se com um leve cumprimento de cabeça caminhando em sincronia na direção da mulher translúcida que surge do escuro da cena com um grande álbum nas mãos. Cada dupla regressa para sua fotografia e assume a posição original. A mulher fecha o livro e sorri, Sabe da necessidade dessa troca de energias de tempos em tempos, afinal, ela é a vida.

sábado, 13 de agosto de 2011

PERSONA

Era uma personagem.
Havia se autoinventado dia após dia
Resultado de um árduo trabalho de negações e consentimentos.
Ao olhar-se no espelho, se tivesse muita atenção,
Ainda conseguia ver algumas das miúdas peças do mosaico
Que meticulosamente tinha colado sobre seu corpo.
Pequenos fragmentos aos quais
O tempo ainda não tinha tido a oportunidade de maquiar.
Trabalhava, passeava, conversava, amava e chorava
Como se sempre estivesse em cena aberta.
Nada, nem ninguém, conseguia de fato a atingir.
A sua verdadeira essência estava soterrada e esquecida 
Sob todo o peso das grossas camadas de estrutura e arabescos coloridos
Que cercavam o espaço onde jazia, conformada,
O que tinha sido um dia a liberdade de escolha
Entre o ser e o parecer.



sexta-feira, 12 de agosto de 2011

TREM

O trem passava todos os dias na mesma hora. Ela corria para sentar embaixo do caramanchão que ficava na frente e assistir ao espetáculo. Usava seu melhor vestido, meias, sapatos e chapéu. A máquina passava veloz, desenhando com a fumaça branca arabescos no céu azul. Gostava do som, do ar que se deslocava na passagem de cada vagão e do calor que subia do atrito. Após, levantava-se, caminhava sobre as barras paralelas equilibrando-se no estreito caminho. Repetia o ritual diariamente e recolhia-se imaginando de como seria no próximo. Aquela manhã tudo foi diferente. Havia no ar uma aura mágica de partida. Arrumou-se com o mesmo zelo de sempre e sentou-se para aguardar. Quando ouviu o apito de longe anunciando a chegada correu para os trilhos fincando os pés na linha. Banhou-se na fumaça clara rodopiando enquanto subia aos ares. Coloriu o brilho do sol despedaçando-se em mil pedacinhos que choveram sobre a paisagem. Finalmente ia seguir o seu caminho.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

BATALHA


No reino das bruxas e fadas surgiu um certo marquês. O alvoroço foi grande com o surgimento do forasteiro. De pronto, duas interessadas saltaram na disputa pela atenção do recém-chegado.
Uma com vestido azul e luminosa varinha de estrela na ponta de um giro levou-o a voar por entre as folhagens de seu bosque encantado. Mostrou-lhe realidades e sonhos. Mares e ares perfumados. Toques sutis e coloridos de palavras bem pensadas e ponderadas prendendo-o pelo impecável bom senso e espírito crítico. O marquês, que já havia sido pássaro um dia, de tudo gostou e regressou em plena empolgação daqueles que entendem amar.
Atordoado e ainda inebriado pelos encantos de tão bela companhia e passeio, foi brutalmente arrebatado pela outra.
Envolta em um manto escuro e gola erguida apoderou-se dele como que um furacão e levou-o a sentir o voo com o vento a lhe varar o corpo, dando piruetas com a vassoura que lhe causavam calafrios no estômago. Nada falou, quando na parte escura da lua, o amou sem pressa dilacerando sua carne e cravando suas unhas nas marcas dos ferimentos, para depois mergulhar no mar salgado e sentir as ondas a envolver-lhes os corpos que, unidos, brigavam contra a correnteza. Gargalhou quando o viu tentando decifrar o seu sorriso antecedente e obrigou-lhe a nadar com taças sem entornar o champagne para brindar com ela na praia onde jazia uma garrafa encantada, lar de tantos tempos que aprendera a gostar. Extenuado deixou-se cair em êxtase de prazer daqueles que sentem amar.
Reunidos todos na clareira sob a luz da lua e do sol, cada um no seu horizonte, foi iniciado o julgamento. A quem caberia o marquês? Na assembleia discutiu-se o tema e empate restou a resposta. Chamaram-no para que desse o derradeiro voto, o de minerva. Atônito, o homem que era três, discutia entre seus dramas e faces ocultas tentando ponderar a respeito do insólito. Como poderia escolher entre o sensato e o insensato sem alguma coisa não perder? Ambas foram chamadas ao centro do círculo sob o olhar atento de ambos os lados.
O pobre, acuado entre a razão e a emoção, acordou no susto em meio a delírios da febre alta, suando muito e tremendo, mas sobretudo, profundamente decepcionado de ter sido poupado da imposta obrigação...

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

REGRESSO


Atou-se com 27 fitas coloridas
Enroladas no camisolão branco.
Fechou todas as portas e janelas.
Subiu no lustre e
Jogou-se em direção da sua escuridão.
Entrou justa pela abertura,
Recortada especialmente para a sua silhueta.
Adentrou no outro espaço em dia ensolarado.
À medida que se deslumbrava com as visões que surgiam
Ia perdendo os lacinhos coloridos.
Quando deu por si,
Voava envolta apenas na veste ampla, larga e alva.
Gostava.
Quando lembrou que deveria regressar,
Procurou a saída com urgência.
Foi impedida pela nova forma solta que então possuía.
Notou a falta de algo que a permitisse o encaixe perfeito no antigo molde.
Deveria ter amarrado melhor os nós, pensou.
Agora já era tarde...
Sem eles para refazer a forma anterior,
Não haveria como trilhar o caminho de volta.
Suspirou aliviada, sorriu
E foi-se para aproveitar o cair da tarde
Incrivelmente iluminado em tons de rosa.
Que bom!

terça-feira, 9 de agosto de 2011

PÂNICO


Dançava por entre o pânico
Equilibrava-se com destreza sobre as frias lâminas
Que surgiam a cada passo.
Buscava dependurar-se
Nos hirtos “Ohs”
Que balançavam como pêndulos no meio do nada.
Repelia o gelo do ambiente
Com o pouco calor que ainda saia do seu corpo em movimento
Seus cabelos, emaranhados nos rochedos das paredes,
Teimavam por impedi-la de prosseguir
Gritava no desespero do perdido.
Gritava na busca do achado.
Gritava procurando o grito.
Que se calou para sempre,
Dentro do absurdo silêncio 
Dos olhos esbugalhados...

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

domingo, 7 de agosto de 2011

DADOS

Jogo os dados.
Giram no ar e caem sobre a mesa.
Três.
Tiro uma, duas, três.
Jogo novamente.
Giram no ar e caem sobre a mesa.
Sete.
Tiro uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete.
Jogo mais uma vez.
Giram no ar e caem sobre a mesa.
Doze.
Doze?!
Tiro uma, duas e nada mais há para tirar...
Sorrio,
Será que alguém vai notar?

sábado, 6 de agosto de 2011

SABOR

Subo com dificuldade.
Vou escalando pouco a pouco.
Chego no ápice.
Planalto branco, 
Coberto de rendas.
Avisto meu objetivo.
Límpido, transparante, sonoro e imponente.
Esgueiro-me por entre as pratas e louças
Chego com facilidade ao destino.
De baixo para cima parece bem mais alto
Do que eu poderia imaginar,
Mas, enfim, ele está lá.
Empilho diversos objetos 
Que estão ao meu alcance
Atinjo o alto.
Respiro fundo e mergulho de uma só vez.
Bolhas ainda faziam cócegas no meu corpo
Quando avistei sua mão se aproximando.
Pegou a taça de cristal e,
Com calma e muito prazer, levou-a aos lábios.
Bebeu degustando  cada gole
Tentando descobrir 
Que paladar inusitado era aquele
Que se misturava
Ao já conhecido 
Sabor do seu champagne.


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

TEIMOSIA

Paro. Olho. Decido.
É aí que os problemas começam.
Quero porque quero.
Mimada?
Não.
Totalmente sem noção,
E assumida!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

VERSÃO CUBISTA

O frio laminou todo seu corpo.
O vento encarregou-se de transportá-la até local seguro.
A muito custo,
Reconstruiu-se, pouco a pouco,
Costurando-se cada parte
No local que melhor entendia.
Fez-se nova e bela
Naquela sua nova versão.
Saiu despertando admiração e encanto,
Somente daqueles que realmente
A mereciam.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

BRINDE

Quero perfumar minha pele com mel.
Fazer um vestido de chantily.
Múltiplas pulseiras de balas,
Colares coloridos confeitados,
Brincos de morangos maduros,
Um chapéu de algodão-doce,
Atado com uma fita de leite condensado 
E saltos altíssimos de chocolate.
Tudo pronto!
Aceitas uma taça de champagne para complementar?

terça-feira, 2 de agosto de 2011

PALAVRAS

Escrevo palavras com nuvens.
Letras brancas e fofas
Que gostam de deitar ao sol e
Passear com o vento.
Letras escuras e densas
Impregnadas se si próprias
Que se desmancham em mil pingos sentidos.
Letras ora esguias ora obtusas
Formadas por longos véus ou por raios
Que se estendem lembrando
Lençóis de teias tentando cobrir o chão.
Por que escrevo palavras como nuvens?
Ora, somente para ver o teu ar compenetrado
Ao tentar decifrá-las...

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

AQUÁRIO

Mergulhou no aquário e foi ao fundo.
Passou um, dois, três, quatro, cinco momentos,
Não retornava.
Quem espiasse pelo vidro
Conseguia vê-la
Deitada olhando para cima.
Olhos fixos, boca entreaberta, corpo em repouso absoluto...
Nunca mais saiu de lá.
Com o tempo, os sedimentos cobriram seu corpo.
Dele só restou um ou outro facho de luz alaranjada
Que eventualmente escapava por entre as conchas e a areia,
Aquecendo os peixes
Que não compreendiam
Por que gostavam tanto de passar por ali.