sábado, 31 de março de 2012

TARDE

Cravou as unhas no cedro e bebeu a enigmática seiva da força.
Mergulhou no riacho e deixou lá todo lodo da alma.
Entrou na fogueira e recuperou as todas cores perdidas.
Estava pronta, plena e ansiosa.
Subiu na colina e bem no topo deixou que o tufão lhe pegasse no colo.
Aconchegou-se em seu meio espiralado e ultrapassou o oceano esperando.
Chegou na terra firme e o viu sentado em um rochedo no alto da escarpa banhada pelo mar.
Escalou como pode a íngreme subida e surgiu inesperadamente na sua frente.
Com um grito de desespero entendeu que havia demorado muito.
Abraçou-se na figura de pedra e jogou-se nas brancas ondas
Que, comovidas, entoavam o prelúdio do se final.

quinta-feira, 29 de março de 2012

INGRATA

Sozinho esperava o sol nascer.
Sentava na nuvem mais baixa e fitava o horizonte
Tentando adivinhar o exato momento
Que as fitas douradas
Iriam rasgar o manto róseo do amanhecer.
Concentrado na sua tarefa,
Começou a escutar passos
Muito próximos.
Atrapalhou-se na tentativa de descobrir da onde vinham.
Percebeu que eram fortes demais para serem de fora.
Fechou os olhos e virou-se para o interior do seu próprio crânio.
Era ela de novo!
Flagrada, ocultou-se, sem êxito, atrás da esticada retina.
Desgostoso, respirou profundamente,
E a varreu com violência para o pequeno alojamento
No lado escuro do seu ego.
Sem conseguir esconder a irritação que a cena lhe causara,
Queria ele compreender uma única coisa:
Como ela ainda não se conformara
Em aproveitar tudo de bom que ele lhe oferecia?
E mais!
Por que insistia em perturbar um momento tão belo
Com a tola mania de fugir?

quarta-feira, 28 de março de 2012

DEVOLUÇÃO

Plantou a semente torta no lodo.
Regou com angústias
Dissolvidas em um pouco de medo
Aqueceu o ambiente com raios de desprezo.
Colocou a redoma negra
Apenas para impedir a pulverização
Das sensações não esperadas.
Apagou as luzes
E certificou-se que as portas e janelas
Estavam lacradas.
Saiu.
No barulho do silêncio
Começou o processo.
Primeiro raízes espreguiçaram-se para fora
Seguidas do frágil caule em direção oposta.
A primeira folha vermelha rompeu o marrom
E a verde flor nasceu resoluta,
Capturando a situação posta,
Limpando tudo que via.
Ordenando a desordem.
Absorveu imediatamente aquilo que,
Um dia,
Teria sido ali colocado para entristecer.
No fim das suas forças,
Atingiu o êxito previsto.
Devolveu o poder do toque
Ao que tinha sido construído,
Meticulosamente, para ser
Intocável.
Morreu frente ao renascer.

terça-feira, 27 de março de 2012

IMAGINA

Senta e relaxa.
Respira fundo e imagina.
Uma parede.
No meio da parede surge uma porta.
Sim, como nos contos de fada,
Não desconcentra! Imagina!
Bem.
Abre a porta e tem uma escada longa.
Paredes úmidas.
Tua casa é térrea? Ai! Eu disse para imaginar! Oras!
Segue. Sobe a escada.
Não interessa se estás cansado! Vai! Sobe de uma vez!
Ok. Sobe até o fim e lá tem outra porta, dourada.
Não, não é alegoria de carnaval! É sonho! S-o-n-h-o!
Certo. Empurra a porta de-li-ca-da-men-te.
Um quarto. Cama com dossel. Janela com cortinas que voam.
Música ambiente. Perfumes exóticos. Luz agradável.
Vai! Caminha! Fecha a boca! Anda!
Isso! Senta na cama. Assim. Deita. Fica confortável!
Muito bem.
A porta por onde tu entrastes, a dourada, lembra? Pois é, sumiu.
A janela com cortinas ao vento desapareceu.
O perfume, a música e a luz não conseguem mais serem percebidos.
Só resta tu e a cama. A cama e tu.
Tu e a cama, a cama e tu,
Tu-e-a-ca-ma-a-ca-ma-e-tu.
Pensou que ia acontecer algo de bom, né?
Te enganei!
Agora deita na cama e trata de sonhar um final bemmmmm lindo!
E depois me conta.
Como vocês estão mal acostumados!
Não posso fazer tudo sozinha sempre!
Poxa!
;)

segunda-feira, 26 de março de 2012

VÍCIOS

Encontraram-se no nada e foram ao tudo.
Retornaram ao ponto inicial e partiram ao além,
Sendo impulsionados, com a mesma força ao início.
Lá chegando, deram-se conta que algo lhes atraía de volta
E assim foram-se novamente rumo ao horizonte.
Permaneram no movimento pendular aproveitando as imagens em disparada.
Cada vez mais rápidos, nas idas e vindas, começaram a enjoar do balanço contínuo.
Quiseram parar.
Era tarde.
Já estavam condenados.

domingo, 25 de março de 2012

OLHAR

Ano a ano,
Descasco.
Vou deixando aqui uma saudade,
Lá uma alegria,
Acolá uma decepção.
No entanto,
Tudo que vai,
Fica registrado.
Rotas fotografias,
Sons que despertam impressões,
Lugares que nunca mais serão o que já foram.
Um dia,
Pouco antes de eu virar essência de novo,
Talvez eu possa me valer 
De todas esses dados
Para tentar reconstruir,
Pela última vez,
O meu quebra-cabeças,
Na mais fiel visão unilateral
De mim mesma.

sábado, 24 de março de 2012

SINAL

Existem vezes que cedemos e tudo bem.
Existem vezes que discutimos e cedemos e tudo bem.
Existem vezes que discutimos, não nos conformamos e cedemos e tudo bem.
Mas existem vezes que discutimos, não nos conformamos e cedemos e tudo mal.
Nesses momentos, soa o aviso uma única vez.
Cuidado para não perder o último trem,
Porque esse,
Não volta mais.

sexta-feira, 23 de março de 2012

PRINCÍPIO

A minha nudez busca a cumplicidade dos teus olhos.
Duplicada no côncavo das negras pupilas
Delicia-se com a exposição privada que te proporciona.
Mereces.
E esse,
É apenas o princípio.

quinta-feira, 22 de março de 2012

EXERCÍCIO

PENSA E RELACIONA

Meus braços (1)
Teu corpo (2)
Meus beijos (3)
Tuas mãos (4)
Meu desejo (5)
Teu gozo (6)
Nossa satisfação (7)
(  ) Enlaçam
(  ) Aquece
(  ) Delizam
(  ) Empolgam
(  ) Explode
(  ) Enlouquece
(  ) Flutua

AGORA O POEMA É TEU, FAZ O QUE QUISERES
SÓ UM CONSELHO
APROVEITA AO MÁXIMO !
PORQUE EU,
JÁ APROVEITEI !
E MUITO!



quarta-feira, 21 de março de 2012

MINIATURA

Quando percebeu que estava condenada a seguir a trilha do óbvio,
Subiu no cadafalso.
Decapitou-se e enviou o estranho embrulho para a tribo dos encolhedores de cabeça.
Aguardou deitada os dias que se seguiram até o esperado toque da campainha.
Chegou!
Saiu correndo e abriu a porta.
Com ansiedade, desfez o pequeno pacote coberto de selos.
Lá estava ela, linda e diminuta, como deveria ser.
Envergou o novo crânio e saiu para o caminho que já a esperava.
À medida que andava sentia que o processo ia revertendo até atingir o tamanho original.
Inconformada,e sentindo-se profundamente lesada,
Procurou auxílio na lista telefônica.
Afinal, em tempos de proteção aos direitos dos consumidores,
Haveria de ter um número para as devidas reclamações.

terça-feira, 20 de março de 2012

SILÊNCIO

Quando açoitou o último pensamento vazio
Expulsando-o para sempre de sua mente,
Percebeu o som do primeiro tambor.
O barulho compassado e surdo
Fazia a noite tremer sua capa de estrelas
Apagando-as uma a uma como se lamparinas fossem.
A lua dissimulava seu brilho
No biombo das nuvens negras
Que acomodara meticulosamente a sua volta.
O segundo tambor rompeu o ar para acompanhar o primeiro.
Os animais, acuados, procuravam cavernas.
As árvores tentavam escorregar para dentro da terra,
Puxadas pelas fortes raízes.
Tudo assumia o movimento contrário
Buscando a fuga imediata.
O som do terceiro tambor,
Que entrava no compasso dos seus companheiros,
Encontrou-a só na clareira em meio ao nada.
Tremia de medo e audácia.
Não estava pronta,
Mas como jamais estaria,
Deixou-se ficar.
Cabelos soltos, alma disposta, consciência alerta.
Figuras obscuras faziam-se sentir por todo seu corpo.
Os pontos de energia nasciam, ora aqui, ora ali
Tecendo uma rede que a prendia e deliciava.
Amarrada por completo e sem vontade de fugir
Foi capturada sem lutas.
O cavaleiro das três figuras sorriu e calou seus tambores.
A partir daquele momento só precisaria do silêncio.
O mais completo e absoluto silêncio.

segunda-feira, 19 de março de 2012

TAREFA


NÃO
QUERO
MAIS
QUERO
MAIS
NÃO
MAIS
NÃO
QUERO
Pronto! 
Agora é só fazer como a tabuada! 
DE-CO-RAR!

domingo, 18 de março de 2012

MÚSICA

No ar ficou suspenso o último acorde
Daquela que era a nossa música.
A derradeira colcheia,
Cravou em meu peito
E como navalha
Foi escorregando na pele,
Rasgando-a
Pouco a pouco
até embaixo.
Coração pulsando a céu aberto e
Vísceras expostas.
Agonizei na pauta vazia
Até esbarrar na barra final
Sob o olhar estupefato e grito calado
Da clave de fá.

sábado, 17 de março de 2012

OURIVES

Pegou a palavra

AMIGO

E iniciou a lapidação.
Passou o "I" para o fim
Ficando assim:

AMGOI

Suspendeu o "G"
E o deitou
Fechando a abertura
Também com uma curva:


 G    Ɠ   ɞ  


Ampliou
E assim ficou:
AMOI

Do "I" final esticou o traço de cima
Fazendo com ele uma curva
Obtendo uma outra forma:

P

Puxou o traço de baixo
Inclinando-o mais ou menos 45º
Tendo o seguinte resultado:

R

Cuidadosamente colocou a última peça em contato com a obra
AMOR

Afastou-se para melhor contemplar o trabalho.
Sorriu.
Como tempo e paciência podem transformar as coisas?






  




sexta-feira, 16 de março de 2012

INCONSEQUENTE

Quero-te.
Não vou mais ponderar.
Chega de pensar!
Quero-te.
Problemas?
Sempre haverão.
Quero-te.
O corpo arde.
A consciência vira inconsciência.
Quero-te.
Simples e fraco.
Forte e complexo.
Quero-te.
Nada mais do que isso.
Quero-te.

quinta-feira, 15 de março de 2012

QUIROMANTE

Quando abri minha mão tive frouxos de riso.
Dei com ele desnorteado, andando de cima para baixo
E voltando sobre o mesmo caminho,
Em toda extensão da minha linha da vida.
De tão tonto, nem percebeu que eu o observava.
Aos poucos, aproximei a palma dos olhos 
E entrei em sua linha de visão.
Estava furioso!
Quando me viu, tratou de me interpelar 
Sem demora ou meias palavras.
Queria saber imediatamente
Onde eu havia escondido o nosso final feliz
Já fazia algum tempo que procurava 
Sem que nenhum traço marcasse o evento.
Sorri, joguei-lhe um beijo e soprei-o com toda força
Para bem longe.
Poderia ser até que eu um dia me arrependesse de tal atitude, 
Mas, naquele momento, não queria nada diferente.
Lavei as mãos e segui.
Afinal a linha é longa e cheia de surpresas.
Não via a hora de encontrar a próxima...

quarta-feira, 14 de março de 2012

AMOR

Do alto da única janela da torre, olhava todos os dias a despedida do sol e saudava com alegria a chegada da lua. O tempo passava lentamente. Dormia, cantava, tecia, esperava. Estava convencida que ele iria voltar. Havia prometido e não costumava faltar às palavras dadas. Muitos chegavam ao pé da fortaleza sem portas e encantavam-se com ela. Faziam de tudo para alcançá-la, ela apenas sorria e acenava. Não estava interessada. Sabia que o retorno não deveria tardar. No final do seu último instante, no segundo anterior ao fechamento definitivo dos olhos, ainda possuía a chama da esperança estampada em suas pupilas.

terça-feira, 13 de março de 2012

DETERMINAÇÃO

Deu diversos nós e apertou-os com toda força.
Testou.
Vela firme.
Sentiu o vento.
Favorável.
Empurrou a frágil embarcação para o mar.
Estava determinada a vencer o dito invencível.
As ondas fortes brincaram com o pequeno barco
Enquanto gargalhavam com sua aflição.
Não desistiu.
Sempre chegou ao fim de tudo que se propôs
Ainda que o fim não compreendesse isso.

segunda-feira, 12 de março de 2012

INFÂNCIA

Vestiu suas asas de livro
E lançou-se da última prateleira da biblioteca.
Percorreu reinos, guerras e beijos.
Sorriu, suspirou e sonhou.
Discutiu e foi convencida.
Mudou a ideia de muitos
E fez outros tantos perderem o tino.
Ao soar o sinal
Levantou-se percorrendo, mecanicamente,
O longo e úmido corredor.
A professora já a aguardava na porta da sala.
Não compreendia o porquê, mas
Mais uma vez teria que ser submetida
A inacreditável
Aula de matemática!

domingo, 11 de março de 2012

MEIAS PALAVRAS

Lua
Noite
Colorido
Fumaça
Bebida
Música
Jogo
Sorte
Sorriso
Azar
Lágrima
Perda
Encontro
Olhares
Desânimo
Conforto
Palavras
Confiança
Braços
Afagos
Beijos
Dança
Flor
Convite
Aceite
Entrega
Delírio
Sonho
Prazer
Sono
Dia
Sol

sábado, 10 de março de 2012

COMPREENSÕES

Dois estranhos.
Nunca se viram.
Mundos apartados.
Vidas em curso horizontal e antagônico
Buscando a colisão.
Dois próximos.
Convivência diária.
Mesmo universo.
Vidas em curso horizontal e antagônico
Buscando o afastamento.
Dois quereres.
Querer distante, ficar próximo.
Querer próximo, ficar distante.
Uma difícil compreensão consciente
Do inconsciente.
Uma impossível compreensão inconsciente
Do consciente.
Artimanhas do infinito.

sexta-feira, 9 de março de 2012

COMETA

Em meio a festa
Tirou a fantasia e
Cobriu-se com o véu disfarçado
De lugar comum.
Aos poucos andou até o centro
Sem ser notada.
Os egos esfuziantes nunca permitiriam
Tamanha invasão.
Ficou alguns instantes imóvel, em dúvida.
Concluiu ser possível.
Em movimentos fora do compasso
Iniciou a dança.
Quanto mais intensidade impunha ao ritmo
Mais olhares atraía
Fazendo com que crescesse
O seu brilho interior.
A inveja presente
Deu-se conta do inevitável.
Tratou de retirar-se de mansinho.
Percebendo a saída daquela que ainda a intimidava,
Desnudou-se sem receios e,
Quando julgou-se detentora
De todos olhares de espanto,
Acendeu como uma tocha
Lançando-se ao ar, incandescente
Levando presos atrás de si,
No rastro luminoso,
Aqueles que já havia aprisionado
No seu louco devaneio hipnótico para todo o sempre.
Unidos, rasgaram a imensa escuridão da noite
Pondo em dúvida os mais renomados astrônomos.
Acabou-se, contrariada, ao clarear do sol.
Enquanto aguardava o próximo entardecer, pensava:
Um dia ainda teria que encontrar uma solução para
Não sucumbir perante tão irritante brilho...

quinta-feira, 8 de março de 2012

MULHERES (reedição)

A mulher de quinze está ansiosa para que a vida comece
Logo, logo entra nos vinte, certa que tudo sabe e plena de independência
Mentirosa ela.
Medos, inseguranças e dúvidas a atordoam.
Tem que ser boa em tudo que se apresenta
Boa aluna, boa profissional, boa de cama...
É praticamente onipotente
Treme por dentro, sempre querendo agradar a todos
E com ar de desdém e enfado de quem está agindo com a maior naturalidade
Joga somente para a torcida
Entra nos trinta,
Situação começa a melhorar
A ansiedade ainda existe, mas está mais atenuada
Já se colocou em alguns pontos da vida
Começa a ganhar território
Com o terreno tranquilo parte para o autoconhecimento
Ainda joga para a torcida, mas começa a perceber que o jogo também é dela
Assim começa a prestar mais atenção aos seus próprios lances
Buscando objetivos cada vez mais próprios
Mulher de quarenta
Delícia.
Sabe o que quer, como quer, onde quer
Com quem quer, de que forma quer, a que horas quer
Já entendeu, há muito, que o jogo é só seu, para o seu prazer
Torcida? Se não gostar que vá embora, não se importa
Quer vencer o jogo somente para o seu deleite
E vence.
Santa maturidade!



ADORO SER ESTE ENTE QUE CHORA, RI, SURTA, AMPARA, AMA, GUARDA, OLHA, TRABALHA, VIVE, SONHA, BRINCA, SOFRE, CAI, LEVANTA, BRIGA, ENFRENTA, CRIA, PARI, REALIZA, OU FAZ TUDO ISSO AO MESMO TEMPO SEM DESCER DO SALTO ALTO!
PARABÉNS PARA TODAS NÓS PELO NOSSO DIA! A GENTE MERECE!
BEIJOS
GISA

quarta-feira, 7 de março de 2012

IMPOTÊNCIA

O grito nasceu do ponto mais profundo do seu estômago e precipitou-se pela boca, formando, de imediato, a gélida ponte de onde pendiam estalactites. A noite apagou suas estrelas e ocultou a lua. O breu completo da volta impedia movimentos bruscos. Tateando, encontrou o início da passarela gelada. Tentou um pé, depois o outro. Escorregou, caiu e levantou. Imaginava a distância que teria que percorrer, as dificuldades pelas quais iria passar, o medo que tinha de enfrentar. Voltou. Sentou-se lívida e aconchegou-se na covardia que a esperava de braços abertos para devorá-la pouco a pouco a partir dos longos cabelos. Impotentente, deixou-se ficar e sucumbir. Quando o dia despertou nada mais existia. Nem grito, nem ponte, nem covardia, nem ela...

terça-feira, 6 de março de 2012

DIÁLOGO

A realidade, ciumenta e farta do sonho, foi bater a sua porta.
Este deixou o que estava fazendo para atendê-la.
"Pois não?" - perguntou o dono da casa.
"Vim aqui buscá-la." - disse com um ar de enfado e irritação.
"Ela quem?" - perguntou o outro surpreso.
"Ora, não te faças de bobo! Ela que toda vez que me distraio foge para cá!"
"Em minha casa todos são bem-vindos, não sei de quem falas" - e foi fechando a porta dando por encerrada a conversa.
"Alto lá!" - gritou a outra histérica - "Posso vê-la ali atrás! Venha logo para o lado de cá!" - advertiu alterada.
O sonho abriu a porta novamente e com muita paciência perguntou: "Falas dela?" - apontando para uma figura que flutuava ao seu lado.
"Sim! Essa mesma! Devolve! Não te pertence!" - escabelou-se a impaciente visita.
O sonho olhou para a plácida e sorridente imagem e sorriu, obtendo um sorriso de volta.
"Ela não quer ir. Assim, passar bem."
Fechou a porta, sob os protestos da outra e dirigiu-se a moça.
"Isso nunca aconteceu. O que fizestes para que ela ficar tão irritada e descontrolada, ao ponto de tentar te buscar a força?"
A menina deu uma volta completa no espaço azul e rindo de satisfação disse:
"Fui feliz..."

segunda-feira, 5 de março de 2012

ENCAIXE

O tapete abrigava sua silhueta.
Prisioneira da composição das longas tramas,
Deixava-se ficar
Na mesma posição do último dia.
Quando ele retornasse
Era só se encaixar nas lacunas
Que havia deixado
E tudo seguiria o seu curso.
Agora quieta,
Já podia contar seus passos se aproximando.
Fechou os olhos sorrindo.

domingo, 4 de março de 2012

ORIGAMI

Feita do mais fino papel
Com delicadas dobraduras
Surgia como um perfeito origami.
Era admirada por muitos,
Mas nunca tocada.
Não sentia o vento,
Nem a chuva.
O sol poderia danificá-la.
Vivia para encantar.
Recebia elogios e
Exclamações de : "ohhh"
Por todos que a vissem.
Apesar de nada lhe faltar
Algo a incomodava.
E o incômodo virou dúvida.
E a dúvida virou desconfiança.
E a desconfiança virou raiva.
E a raiva virou ira.
E a ira virou fogo.
E o fogo a fez em cinzas.
Para desespero de todos
Que foram embora ignorando
Que a história não acabara.
A cinza voou com o vento,
Molhou-se na chuva 
E aqueceu-se no sol.
À von-ta-de!
Ah,como é bom viver as maravilhas do poder da transformação...

sábado, 3 de março de 2012

DESABAFO

Sinto informar:
A curiosidade acabou.
Não quero mais ficar pensando como seria
Se tudo viesse a acontecer.
Cansei.
Viver de um futuro incerto é perder o presente certo.
Já me matriculei no curso de valorizar o que se tem.
Não perderei nenhuma aula.

sexta-feira, 2 de março de 2012

FOXTROT

Sentada do canto mais escuro do salão,
Ocultou os olhos nas rendas do leque.
Observava todo o baile
Recortado nos negros espaços vazados
Do seu precioso esconderijo.
Estava distraída pelas cenas parciais,
Braços,vestidos,rostos,pernas, sapatos,
Todas entrecortadas
Mas em perfeita harmonia
Com os melodiosos sons da orquestra.
Divertia-se em conjugá-las a seu bel prazer,
Formando outras cada vez mais inusitadas.
Com surpresa viu que alguns fragmentos,
Antes dançantes no ambiente,
Começaram a se aproximar de onde estava.
Pés, olhos, mãos, boca, terno, lábios, cabelos,
Em um rápido instante estremeceu,
Não podia mais evitar
Estendeu a mão e com um brusco movimento
Desfez-se em tantas partes quantas estavam a sua frente.
Cada qual com o seu par,
Entaram na dança imediatamente,
Enquanto a orquestra rompia em mais um animado foxtrot.

quinta-feira, 1 de março de 2012

HISTORINHA

Construiu o labirinto.
Contratou o Minotauro
Por prazo determinado
(Os direitos trabalhistas estavam pela hora da morte!)
Mas não podia abrir mão dos seus serviços,
Daria mais realidade à cena.
Escondeu todos os novelos de lã.
Correu no computador e mandou-lhe um e-mail
Com o seguinte texto:
"Querido Teseu!
Socorro! Vem logo! Preciso da tua ajuda!"
Não esqueceu de dar-lhe a direção:
"Entra no labirinto e vira à esquerda
Segue trinta passos e vai para a direita.
Estou amarrada no pilar do fundo
Já ouço a respiração da fera se aproximando!
Vem logo, por favor!
Beijo
Tua Ariadne".
O plano era ideal.
Ele viria por certo.
Era só esperar.
Amarrou-se e ficou.
Aguardou, dormiu, ressonou.
Foi acordada pelo Minotauro, bufando no seu ouvido:
"O tempo ajustado já acabou. Vou-me embora".
Percebendo a falha e coberta de decepção,
Olhou o monstro com cabeça de touro.
Olhou o físico.
Olhou a cabeça.
Olhou o conjunto...
Olhou e gostou.
Sorriu e um sorriso teve em retribuição.
Algo dentro dela brilhou e um brilho percebeu vindo de dentro dele.
Tentou falar, faltaram-lhe as palavras.
Percebeu o mesmo embaraço na boca da criatura.
Ele a desamarrou da coluna e a tomou nos braços em um longo beijo.
Deram-se as mãos e embretaram-se para dentro do labirinto.
Nunca mais foram vistos.
E o e-mail?
Retornou com o aviso:
"Endereço de e-mail inválido".