terça-feira, 30 de novembro de 2010

(DES)NECESSÁRIA

Trabalhava de maneira incessante.
A rotina era rígida e fazia questão de segui-la milimetricamente.
Acordava, pela manhã, varria toda casa, arrumava os quartos, limpava os banheiros, lavava roupa, passava roupa e ia para a cozinha.
Colocava em prática todas suas magias.
Entre potes e sabores produzia aromas de enternecer os mais exigentes olfatos.
A beleza também enchia os olhos de quem via tais petiscos.
O sabor levava todos aos portais do Éden.
Enquanto degustavam os prazeres que ela os oferecia, ficava sentada em um canto da cozinha com seu mínimo prato na mão.
Alimentava-se muito pouco.
Sentia enfado da comida.
Alimentados, retiravam-se e ela voltava novamente à cena principal.
Tirava a mesa, lavava a louça, limpava a cozinha.
Passava a tarde entre o jardim e a horta.
Até o horário do jantar, tempo em que repetia o ritual apresentado no almoço.
Ninguém mais a percebia como pessoa.
Não falavam com ela, não perguntavam a respeito dos seus desejos e sonhos.
Simplesmente não a viam, não sentiam sua presença.
A história repetiu-se por anos, até o dia em que, acomodada no seu lugar habitual, foi tragada, sem lutas, vagarosamente, pelas paredes que a aconchegaram pouco a pouco, aprisionando-a para sempre no cenário do qual nunca poderia ter fugido.
A rotina seguiu melancolicamente igual sem nunca ninguém ter percebido sua falta.

8 comentários:

Al Reiffer disse...

Texto muito bem sacado, parabéns! Abraços!

Arnoldo Pimentel disse...

Muito bom seu texto, parabéns.Tudo de bom pra você, beijos.

Jose Manuel Iglesias Riveiro disse...

Bonito relato de la rutinaria y sacrificada vida de muchas personal, en nuestras familias, a las que prestamos ni la atención ni el amor que merecen por su continuo trabajo para todos sin pedir nada y desgraciadamente sin recibir nada del reconocimiento , cariño y amor que merecen y que les negamos.

Unknown disse...

Gisa me diz uma coisa, quando vai sair seu livro hein? Parabéns pela postagem. Forte Abraço.

AC disse...

Gisa,
Há pessoas assim, que passam pela vida sem a vida passar por elas...
(Gostei muito do seu lado retratista)

Beijo :)

ERICO BRATFISH disse...

Oiê!

O título completamente apropriado ao texto.

Verdade Gisa, muitos seres humanos passam pela vida sem fazer nenhuma diferença!
Já pensou, caminhar como uma sombra, sem deixar rastros? Ah, não dá!!!

Beijos :)

Gisa disse...

Obrigada Reiffer, gosto de brincar um pouco com os textos e esse foi uma experiência. Um bj.

Obrigada Arnoldo. Um bj.

"Amor canino" é esse o ponto Iglesias. Quantas pessoas passam por isso e nem percebemos...
Um bj. querido amigo.

Obrigada Alê! Livro?! Quem me dera, quem sabe um dia, será? Um bj querido amigo.

Obrigada AC é bom dar uma variada às vezes. Gosto de brincar com as palavras e adoro explorar todas as suas chances. Um bj querido amigo.

Passam mesmo Erico, infelizmente. Quanto a sombra sem rastros, bem que seria bom às vezes não é mesmo? Imagina o que nós poderíamos presenciar em silêncio total... Um bj querido amigo.

Fernanda Barcellos disse...

A rotina esmaga!!

Beijos e lindo final de semana.