domingo, 14 de agosto de 2011

CENA

A plateia atenta acompanha a abertura das cortinas. No palco escuro conseguem perceber seis sombras estrategicamente colocadas. Duas no centro, duas à esquerda e duas à direita.

Luz amarelada incide no canto esquerdo. Vê-se um homem sépia de bigodes e elegantemente trajado. Calça de risca de giz, paletó, bengala, chapéu, colarinho engomado da camisa branca e gravata de laço. Pendente, no colete, uma corrente dourada que terminava em um relógio estrategicamente colocado no bolsinho. Ao seu lado, olhando para o chão, um menino, igualmente sépia, de boné xadrez, camisa branca e calças curtas presas por suspensório. Botinas pretas, meias brancas. Mal respirava ante a altivez do homem. Há uma aura sépia de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz amarelada.

Luz acinzentada incide no canto direito. Vê-se um homem azincentado com um blusão de gola rolê branca, de calças aparentemente curtas, jaqueta de couro e sapatos pretos. Cabelo penteado com gumex formando uma leve ondulação na frente. Usa óculos escuros e parece mascar chiclete. Está com um cigarro aceso na mão. Ao seu lado, olhando para a frente, um menino, igualmente acinzentado, de calças curtas, camisa branca e colete de lã xadrez. Cabelo desenhado com gumex confere-lhe um alto topete na frente que cai um pouco sobre os olhos e os lados são batidos. Masca chiclete e pisca para a plateia com um leve sorriso de canto de boca sob os sorrisos cúmplices do homem. Há uma aura acinzentada de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz acinzentada.

Luzes coloridas incidem no centro do palco. Vê-se um homem colorido. Ele é forte e usa jeans, camiseta branca e tênis. Cabelo cortado com máquina 4 dos lados e 6 em cima. Não usa barba, nem bigode. Embaixo do braço leva o i pad e na outra mão um celular último tipo. Ao seu lado, olhando para todos os lados, um menino, igualmente colorido. Usa boné com a aba virada para trás, short, camiseta e tênis. Às vezes, concentra-se no jogo eletrônico de último tipo que trás nas mãos e em meio a bips bips comemora os pontos acumulados comemorando com gritos de incentivo do homem. Há uma aura colorida de amor e de cuidado.

Apaga-se a luz colorida.

Fecham-se as cortinas e dá-se o diálogo de emoções por encerrado. A plateia sai em silêncio, absortos nos pensamentos e lembranças, atuais ou distantes, boas ou ruins, saudosas ou insuportáveis que as imagens lhes causaram. Todos carregam, como brinde, algum fragmento das auras que circularam no ambiente cuidadosamente embrulhados em caixinhas douradas com fitas vermelhas entregue a cada um na saída da sala. Apagam-se as luzes do teatro. No palco, as seis figuras olham-se e despedem-se com um leve cumprimento de cabeça caminhando em sincronia na direção da mulher translúcida que surge do escuro da cena com um grande álbum nas mãos. Cada dupla regressa para sua fotografia e assume a posição original. A mulher fecha o livro e sorri, Sabe da necessidade dessa troca de energias de tempos em tempos, afinal, ela é a vida.

12 comentários:

Ricardo e Regina Calmon disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ricardo e Regina Calmon disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Catia Bosso disse...

Gisa, fofeteeee!!!

Que categoria!
Adorei seu post, desenrolou a historia feito uma mestra!

bjssss meusss

Cat

Anônimo disse...

Une audience comme si on y était. Presque un scénario de film. Bravo, Gisa, c'est beau!

VeraBruxa disse...

Olá!
Maravilhoso! À medida em que eu ia lendo, meu corpo foi se curvando numa atitude de total atenção, e pude sentir meu rosto se movendo em um riso com jeito de total admiração...(suspiro)...
Receba boas energias...

Sérgio Pontes disse...

Gostei bastante, beijinho

Rogério G.V. Pereira disse...

É chegada a hora, de quem está de fora,
apontando as infracções e omissões
(tão belo texto quase me fazia esquecer tais obrigações):
Primeiro: Moliere reclamou pelas pancadas que bateu e não apresentou;
Segundo: Falta um personagem, o vermelho, iluminado pelo sol (unica iluminação natural que estava planeada, nessa cena sofisticada). Era obrigatório aparecer e não aparece. Ele devia trazer vestes de homem vulgar, trazendo de maneira simples uma criança a passear. A criança, ainda muito menino, cantaria um hino não conhecido;
Terceiro: Há falta de referência ao espectador que pateou e assobiou, por as figuras serem aberrantes, marcantes em troca da figura ausente que seria mais comovente;
Último: A vida foi repreendida por aparecer junto aos camarins dos actores masculinos, sem a devida autorização. A queixa subiu para Deus decidir enquanto as crianças apresentavam oportuna petição... Petição atendida, salvou-se a vida.

MORAL: Nunca post excluído-me da cena, nem faça da vida uma mulher mundana

ONG ALERTA disse...

Vivemos em cena...beijo Lisette.

Mery disse...

Gostei muito, já estou te seguindo.
Escreves maravilhosamente.
Sou a Mery. Beijos

Genie -- Paris and Beyond disse...

Gisa, your writing is beautiful even when translated... I can only imagine how divine it would be if I understood Portuguese. Thank you for visiting my blog and I will visit you from time to time. Merci!

Bises,
Genie

Dja disse...

Gisa minha lindona vc tá cada dia melhor.
te adoroooooooo

beijinhos querida, ótima semana.

Lena disse...

Gisa
Pessoa querida, que fantástico esse texto. As histórias não têm nada a ver mas de repente me vi lendo a "Menina que roubava libros". Narrativa nota 10!
Bjkas e uma linda semana!